terça-feira, abril 24, 2007

A celeuma do INSS e a concessão de auxílios por doença

Há uma distância enorme entre o direito assegurado em lei e as ferramentas utilizadas pelo INSS a denegar o direito ao benefício auxílio-doença acidentário a qualquer segurado acidentado e ou que haja desenvolvido doença ocupacional:“A imprensa nacional tem divulgado que o percentual de benefícios por incapacidade negados pela perícia do INSS encontra-se, atualmente, num patamar de 20% a 30%. Nessa faixa encontram-se os segurados que estão requerendo o benefício por incapacidade, os que já se encontravam afastados e os que, após alta médica, têm de retornar ao trabalho mesmo com laudos, exames, receitas e atestados demonstrando que ainda permanecerem seqüelas incapacitantes” ( Auxílio-doença — Há um abismo entre o que diz a lei e o que o INSS faz )
O direito ao benefício acidentário (B-91) assegurado em lei a todo segurado com incapacitação laboral tem sido, portanto, denegado, com abuso de poder, fraudes, conivências, como temos denunciado reiteradamente em nossos artigos.
Também o movimento popular, social e sindical, diante do conhecimento das fraudes nas perícias médicas, realizou seminário onde foi aprovada a proposição pela constituição de uma CPI contra os médicos e peritos para término desses abusos e fraudes, sendo que o movimento que encampa essa luta é o Movida Brasil, com o acompanhamento do senador Paim, denunciou em Brasília os abusos, omissões, práticas das subnotificações acidentárias e conivências de servidores do INSS.
Dispõe a Lei 8.213/91 sobre os benefícios ao trabalhador infortunado:
a) Artigo 86: “O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia”. (Redação dada pela Lei 9.528, de 10.12.97).
b) Artigo 62: “O segurado em gozo de auxílio-doença, insusceptível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade. Não cessará o benefício até que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não-recuperável, for aposentado por invalidez”.
c) Artigo 63: “O segurado empregado em gozo de auxílio-doença será considerado pela empresa como licenciado”.
O TST, analisando o dispositivo transcrito, já decidiu:
“Estando suspenso o contrato de trabalho, em virtude de o empregado haver sido acometido de doença profissional, com percepção de auxílio-doença, opera-se igualmente a suspensão do fluxo do prazo prescricional”, concluiu o relator”. (RR-424/2001-069-09-00.5) (Fonte: TST)
Apesar do direito assegurado em lei, na prática não é o que vem acontecendo com os trabalhadores segurados, como vimos denunciando em nossos artigos, em que o benefício quando eventualmente concedido pelo INSS não é o de lei, o acidentário, mas apenas o auxílio-doença comum (B-31), aumentando o propalado déficit, que tal benefício não tem fonte de custeio, diferente do B-91, que tem caixa próprio financiado pelo SAT, com desconto mensal incidente sobre a folha de pagamento das empresas.
Reconhecendo o governo a prática de mercado das repudiadas subnotificações acidentárias, encaminhou ao Congresso a MP 316 que se converteu na Lei 11.330/06 e que entrou em vigor no dia 26 de dezembro de 2006. Do exame do disposto na lei em comento, dá-se com uma mão e se retira o direito prometido pela adoção do NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário) com outro, senão vejamos.
O artigo 1º da novíssima Lei 11.330/06, em seu artigo 1º, dá nova redação a alguns dispositivos da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991 (benefícios), passando a vigorar com as seguintes alterações, acrescentando-se os artigos. 21-A e 41-A e dando-se nova redação ao artigo 22:
Artigo 21-A. “A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças — CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento.
§ 1º A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo.
§ 2º A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social”.
Tendo-se em vista que o artigo 21-A da Lei 8.213/91, acrescentado pela Lei 1.330/06, atribui à perícia médica o poder de decisão sobre o A perícia médica continua o “deus poderoso” a decidir sobre o reconhecimento ou não da incapacitação e respectivo nexo causal, por razão de transparência e segurança do próprio segurado, entendemos que deva a perícia médica inclusive entregar ao segurado não só a conclusão pericial, como sua respectiva justificação da conclusão pericial.
As ferramentas implementadas pelo INSS, há décadas, no nosso entendimento seguem a lógica de beneficiar os interesses da iniciativa privada, uma vez que beneficiam os abusos, fraudes e sub-notificações. Indignados com tal situação, conversamos com alguns peritos do INSS, que foram unânimes em nos afirmar: um benefício, uma vez cadastrado como B 31 (auxílio doença) dificilmente será revertido a B 91 (auxílio doença por acidente de trabalho). Por sua vez, quando um trabalhador chega com uma CAT em uma Agência da Previdência (APS) para agendamento de perícia médica, como constatamos diariamente, o administrativo cadastra aquele pleito de benefício como B 31, uma vez que não foi a empresa que abriu o CAT.
E já temos relatos de muitos casos que, por ser a CAT de cadastramento mais difícil no sistema, até quando este documento é aberto pela empresa, o INSS está registrando-o como B-31. Por conseguinte, na perícia médica, o próprio software (que se chama Sabi), não permite a transformação diretamente de um B-31 para B-91, muito embora, por relatos, os peritos cliquem nas opções confirmando que se trata de doença do trabalho, e o resultado final (conclusão da perícia) continuará sendo de doença não relacionada ao trabalho.
Desta forma, conclui-se que, no que toca ao auxílio-doença comum (B-31), o próprio sistema não permite que o reconhecimento em nova perícia de nexo causal acidentário pelo agravamento ainda presente possa ser convertido de auxílio-doença comum em acidentário, salvo procedimento extremamente complexo e dificultado ou decisão judicial, o que em nosso entender caracteriza abuso de poder, merecendo atuação imediata da Procuradoria do Trabalho e do Ministério Público da União, instaurar inquérito civil público, para instrumentalizar a necessária e moralizante Ação Civil Pública de lei.
Por outro lado, não há ainda também a regulamentação necessária ao cumprimento dos objetivos perseguidos pelo NTEP, assegurando-se efetividade na concessão do benefício auxílio-doença acidentário (B-91), mesmo sem a emissão da CAT, já que permitido o efeito suspensivo do benefício, colocando o trabalhador de volta à situação de abusos, fraudes e conivências, que levaram à aprovação da Lei 11.330/06, como reconhece a exposição de motivos, quando da edição da MP 316.
É consabido que, para a concessão do benefício auxílio-doença acidentário (B-91), são necessários o preenchimento de dois quesitos obrigatórios:
— a existência da incapacidade e o estabelecimento do nexo causal, seja por critérios epidemiológicos (NTEP);
— quando não se tratar de NTEP (caso, por exemplo, ainda de doença profissional, tal como a desenvolvida em condições excepcionais de trabalho e ou mesmo de outras doenças que não sejam significativas do ponto de vista epidemiológico, mas que estão relacionadas ao trabalho, como é o exemplo das Pair, transtornos da voz relacionados ao trabalho em algumas categorias profissionais, etc), todas catalogadas no novo decreto-regulamentador, de número 6.042, de 12 de fevereiro de 2007.
Assim, defendemos que o governo deva imediatamente:
— cumprir com seu dever de legislar em favor da cidadania, não se curvando aos interesses espúrios do capital em pretender que a responsabilidade pelos infortúnios seja de responsabilidade apenas do INSS, emitindo norma que vincule o perito ao NTEP para a concessão e ou não dos pedidos de concessão de benefícios auxílio-doença acidentário (B-91).
— proceder a modificações adequadas no sistema eletrônico do INSS de concessão de benefícios, permitindo as possibilidades concretas de conversão de um benefício auxílio-doença comum em acidentário (B-91), acaso a nova perícia venha a reconhecer a permanência das seqüelas e agravames e o respectivo nexo causal, sem emissão da CAT, situação ainda mantida no sistema que não foi alterado, mantendo-se a mesma sistemática do modelo esgotado e alterado pelo NTEP em atendimento ao interesse escuso do capital e ao arrepio da lei.
Apesar da entrada em vigor da Lei 11.330/06 que instituiu o NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário) que autoriza o INSS poder conceder o benefício acidentário mesmo na ausência da emissão da CAT, esta continua sendo uma obrigação principal do empregador, posto que não revogado o artigo 22 da Lei 8.213/91, que assim dispõe:
“A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social”.
Examinando-se, portanto, a legislação infortunística adotada pelo Brasil, conclui-se que o empregador não é, portanto, credor, mas devedor de saúde física e mental, devendo responder pelos prejuízos então ocasionados ao infortunado pelo seu descumprimento às medidas de segurança e proteção à saúde do trabalhador e pela extensão do dano, dentre os quais a indenização por dano material e moral, incluindo o estético e a pensão vitalícia, disciplinada pelo artigo 950 do Código Civil, que dispõe:
“Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu”.
Conclusão
O governo deve cumprir com seu dever de legislar em favor da cidadania, não se curvando aos interesses espúrios do capital em pretender que a responsabilidade pelos infortúnios seja de responsabilidade apenas do INSS, emitindo norma que vincule o perito ao NTEP para a concessão e ou não dos pedidos de concessão de benefícios auxílio-doença acidentário (B-91).
Também deve readequar o sistema eletrônico, permitindo que um benefício auxílio-doença comum possa ser convertido no benefício acidentário (B-91), acaso a nova perícia venha a reconhecer o agravame ainda presente e o respectivo nexo causal, o que atualmente não é permitido, atendendo-se ao interesse privado, ao arrepio da lei.
Fonte: Conjur
Sobre o autor Luiz Salvador: é advogado trabalhista e presidente da Abrat (Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas).