quarta-feira, agosto 22, 2007

Souza Cruz condenada a indenizar por malefícios do cigarro

Não há dúvida que produzir cigarros é uma atividade lícita. Contudo, a mera licitude formal da atividade comercial não exonera a empresa de reparar prejuízos gerados aos consumidores. Com esse entendimento majoritário, a 5ª Câmara Cível do TJRS condenou a Souza Cruz S/A a indenizar por dano moral. A viúva, cinco filhos e dois netos receberão, cada um, R$ 70 mil pela morte do marido e pai. Os dois netos, R$ 35 mil cada.

Os valores serão corrigidos pelo IGP-M desde 27/6, data da sessão de julgamento do colegiado, acrescido de juros legais a contar do falecimento, em 24/12/01, na ordem de 6% ao ano, até a entrada em vigor do vigente Código Civil, em 11/1/2003, passando a incidir o percentual de 1% ao mês.

Vitorino Mattiazzi nasceu em junho de 1940 e começou a fumar na adolescência, motivado, na época, pelo “glamour” que tal agir ensejava, afirmou a sua família à Justiça. O falecido fumava cigarros, principalmente, da marca “Hollywood”, todos produzidos pela demandada. Morreu por causa de um “Adenocarcinoma Pulmonar”. Alegaram que o único fator de risco era o tabagismo.

A sentença do Juízo de Cerro Largo, no interior do Rio Grande do Sul, julgou improcedentes os pedidos dos familiares. Da decisão, houve recurso ao Tribunal.

Relator

Narrou o relator, Desembargador Paulo Sérgio Scarparo, que a doença que acometeu Vitorino foi devidamente comprovada, “uma vez que o diagnóstico restou amplamente demonstrado (...) inclusive sendo determinada como causa mortis”. O uso de cigarros da marca Hollywood desde os 18 anos e o falecimento em decorrência de câncer foram confirmados ao longo do processo.

Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), ressaltou o magistrado, “o tabagismo é a principal causa de morte evitável em todo o mundo”. Segundo a organização, 1,2 bilhão de pessoas no mundo são fumantes; 4,9 milhões de pessoas morrem anualmente em decorrência do tabagismo e casos mantidos os índices atuais de expansão do consumo de tabaco, o número de mortes será elevado para 10 milhões ao ano em 2030, sendo a metade dessas mortes de pessoas em idade produtiva (35 a 69 anos).

Fatos

Também destacou o Desembargador Scarparo que é “inafastável o fato – atualmente público e notório – que o uso de tabaco pode causar câncer, como também um sem número de outras doenças”. “O produto oferecido (...) contém mais de 4.700 substâncias, sendo que, dentre elas, muitas são consideradas, cientificamente, cancerígenas”, disse. “Ou seja, evidente o liame causal entre o hábito de fumar e a propensão a doenças cancerígenas”, concluiu.

Desde a década de 1950 as empresas tabagistas têm pleno conhecimento acerca de todos os malefícios decorrentes do uso do tabaco, afirmou. “É incontroverso o fato de não terem alertado os consumidores de tais males, sendo que só o fizeram depois de décadas, por determinação legal”.

Vontade

A respeito do argumento da empresa de que o falecido passou a fumar por sua livre e deliberada vontade, não podendo ser responsabilizada, o julgador entende que “ao comercializar seu produto, omitindo dos consumidores os malefícios gerados pelo seu consumo, assim como a existência de substâncias causadoras de dependência psíquica e química (nicotina, por exemplo), fez com que os usuários do produto fossem induzidos em erro na externação de sua vontade”.

“Nos dias de hoje, efetivamente, fuma quem quer, à medida que público e notório todos os problemas decorrentes do uso do tabaco – todavia (...) tal consciência não existia 20 anos atrás, quando o falecido já era dependente da droga há muitos anos”, disse o Desembargador Scarparo.

O falecido começou a fumar com 18 anos de idade, ou seja, em 1958, quando não eram veiculadas, por qualquer meio, informações a respeito dos malefícios do tabaco, sendo que, à época, a demandada já tinha ampla noção de tais informações. Assim, inviável falar-se em lisura no proceder da ré e em voluntariamente no consumo de cigarro pelo consumidor.

Dependência

Para o magistrado, “cigarro causa dependência psíquica, o que leva a concluir que improcede a afirmação da empresa – isso porque pára de fumar não quem quer, mas sim quem consegue”. Estudos da OMS estimam que apenas entre 0,5% a 5% dos fumantes que tentam deixar o vício, sem ajuda ou suporte, conseguem atingir uma abstinência duradoura, considerou.

Informação

“As tímidas e insuficientes informações que hoje são conhecidas pelo público em geral são oriundas de leis impostas pelo ordenamento jurídico pátrio e não de espontaneidade proveniente da requerida e das empresas afins, no intuito de exercitarem a necessária boa-fé objetiva”, considerou.

O Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack acompanhou o voto do Relator.

Minoria

Já o Desembargador Pedro Luiz Rodrigues Bossle, que presidiu o julgamento, ocorrido em 27/6/07, divergiu do relator. “Há muito tempo a sociedade conhece os malefícios do cigarro e obviamente que a propaganda associa o hábito de fumar com atividades prazerosas, o que não poderia ser diferente”, afirmou o magistrado.

“Contudo”, observou, “o prazer do fumo vem mal acompanhado pelo risco do vício e por danos à saúde”, continuou. “Diante desse quadro em que é consabido que basta força de vontade para parar de fumar, não vislumbro espaço para a responsabilização da ré pela indenização pretendida, impondo-se a manutenção da sentença”.

Fonte: TJRS - Proc. nº 70017634486

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