sexta-feira, agosto 24, 2007

Revelação do diálogo entre ministros do STF durante julgamento do mensalão provoca polêmica

INFORME ESPECIAL

O relator do caso do mensalão no Supremo, Joaquim Barbosa, aceitou o primeiro item da denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, contra os 40 acusados. Ele considerou haver indícios suficientes para abrir processo criminal contra quatro dirigentes do Banco Rural por suspeita de gestão fraudulenta.

Com isso, a presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e outros três diretores da instituição devem se tornar hoje os primeiros réus do escândalo do mensalão.Os ministros Marco Aurélio de Mello e Cezar Peluso votaram com o relator. Os outros sete ministros devem votar hoje. Como são 40 acusados, Barbosa optou por dividir o voto em capítulos. Com isso, a expectativa é que o resultado do julgamento só seja conhecido na semana que vem.

As mensagens trocadas entre os ministros do STF Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski durante a sessão de quarta-feira - com detalhes dos votos deles e de colegas - reveladas ontem (23) pelo jornal O Globo, provocaram constrangimento no Supremo e polêmica jurídica. Para a Associação dos Magistrados Brasileiros, os ministros feriram o princípio de incomunicabilidade, e a divulgação das mensagens foi legítima.

Já a OAB nacional e a Associação dos Juízes Federais entenderam que houve invasão de privacidade. Citado por Cármen Lúcia, o ministro Eros Grau não escondeu a irritação: "nunca vi isso acontecer neste tribunal; nem a imprensa entrar e interceptar correspondências, nem esse tipo de diálogo".

As conversas captadas na Intranet do STF durante o julgamento do mensalão

O jornal O Globo, do Rio, publicou ontem (23) trechos de mensagens trocadas entre os ministros Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, durante o primeiro dia de sessões (quarta-feira, 22) de julgamento do mensalão. Os dois ministros expressam suas impressões sobre a sustentação feita pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, e discutem outros aspectos do processo.

Na conversa, travada pela Intranet do Supremo e captada em sucessivas fotos pelo fotógrafo Roberto Stuckert Filho, os ministros falam também sobre a indicação do novo ministro do STF, que ocupará a vaga de Pertence, e sobre se deve ser aceita ou rejeitada a acusação de co-autoria em peculato contra acusados que não são funcionários públicos. Entre estes estão Silvio Pereira, Delúbio Soares, Marcos Valério e José Genoino.

Conforme o jornal carioca, separados por três metros, os ministros Cármen e Lewandowski comentam a sustentação oral feita pelo procurador.

“Ele está - corretamente - ‘jogando para a platéia’”, escreve Lewandowski sobre o desempenho de Antonio Fernando de Souza.

“É, e tentativa de mostrar os fatos e amarrar as situações para explicar o que a denúncia não explicou”, replica a ministra Cármen.

Passo seguinte, Ricardo Lewandowski afirma que “impressiona a sustentação do PGR ”. A ministra então sugere uma reunião com assessores dos dois gabinetes. Os ministros comentam, então, em relação ao crime de uso de cargo público para apropriação ilegal de recursos ou bens (peculato).

Lewandowski manifesta não estar seguro se o crime pode ser imputado aos que não ocupavam cargo público à época. A denúncia pede que eles sejam processados como co-autores.

Minha dúvida é quanto ao peculato em co-autoria ou participação, mesmo para aqueles que não são funcionários públicos ou não tinham a posse direta do dinheiro”, escreve o ministro.

Em seguida, a ministra Cármen Lúcia comenta com Lewandowski a posição de Eros Grau. “O Cupido (sentado ao lado da ministra estava Eros Grau) acaba de afirmar aqui do lado que não vai aceitar nada (ilegível)”.

Noutro trecho, há a seguinte transcrição:

Cármen Lúcia: "vou repetir: me foi dito pelo Cupido que vai votar pela não recebimento da den. Entendeu?".

Leia os trechos das conversas captadas fotograficamente pelo jornal:

11:57: Lewandowski: Coerência é tudo na vida!

12:04: Cármen Lúcia: Lewandowski, conforme lhe disse ele está começando pelo final, indicando os fatos de trás para frente...

12:06 Lewandowski: tem razão, mas isso não afasta as minhas convicções com relação aqueles pontos sobre os quais conversamos. Ele está - corretamente - “jogando para platéia”

12:07 Cármen Lúcia: é, e é tentativa de mostrar os fatos e amarrar as situações para explicar o que a denúncia não explicou...

12:08 Lewandowski: tem razão, trata-se de suprir falas (sic) “posteriori”

12:08 Cármen Lúcia: é isso

12:43 Lewandowski: Cármem: impressiona a situação do PGR

12:45 Cármen Lúcia: Muito, acho que seria conveniente - pelo menos para mim - que a gente se encontrasse no final do dia talvez com os meus meninos e o Davi ainda que durante meia hora. Eles estão ouvindo e poderíamos ouvi-los para ver o sentimento que, dominando-os, estão dominando toda a comunidade. Não sei, é como você disse, todo mundo vai estar cansado. Mas acho que seria muito conveniente.

12:45 Lewandowski: Cármen: a sustentação do PGR impressiona

12:46 Lewandowski: Cármen, não sei não, mas mudar à última hora é complicado. Eu, de qualquer maneira, vou ter de varar a noite. Mas acho que podemos bater um papo aqui mesmo... Minha dúvida é quanto ao peculato com co-autoria ou participação, mesmo para aqueles que não são funcionários públicos ou não tinham a posse direita do dinheiro.

12:48 Cármen Lúcia: Exatamente, também acho que há dificuldade, mas não dá mais para o que eu cogitei e lhe falei.... realmente, ou fica todo mundo ou sai todo mundo...

Cármen Lúcia manda mensagem para Eduardo Silva Toledo (assessor de Sepúlveda Pertence)

Cármen Lúcia: Dudu, como estão as coisas aí ?

Eduardo: Está tudo bem. Estamos tentando conseguir o voto do ministro Peluso no HC 84223. A taquigrafia não tem o voto e, se a senhora entender conveniente, podemos pedir no gabinete do ministro (ilegível) de qualquer maneira, já temos o áudio. “Vamos ficar firmes”: Lewandowski conversa com assessor Davi de Paiva Costa. Volta a dizer que o procurador o impressiona e se mostra em dúvida sobre a decisão tomada anteriormente de não aceitar a acusação de peculato contra denunciados não eram funcionários públicos à época ou não eram donos do dinheiro que circulou pelo valerioduto. Mas decide não fazer qualquer alteração.

12:27 Lewandowski: Davi, a imputação da infração do artigo1º, VII, lavagem de dinheiro oriundo do crime praticado por organização criminosa, creio que poderá subsistir. Verifique por favor.

12:40 Lewandowski: Davi, se você tiver algum material, por favor mande-me depois do almoço, colocando-o no pen drive que eu vou lhe mandar. Vou trabalhar durante as sustentações orais, à tarde e à noite à medida que você for coletando o material vai me mandando. Grato.

12:41 Davi: de acordo, ministro

12:51 Lewandowski: Davi, a sustentação do PGR impressiona. Você continua achando que a acusação de peculato não se sustenta contra aqueles que não são funcionários públicos e não tinham a posse direta do dinheiro, mesmo em co-autoria?

12:52 Davi: minha impressão é que não há provas nos autos de autoria intelectual. Posso, porém, minutar o voto em sentido contrário...

12:52 Lewandowski: Não, vamos ficar firmes nesse aspecto. Manifestei apenas uma dúvida.
Eram quase 16 horas quando Lewandowski manda mensagem para Cármen Lúcia. Falam da nomeação do próximo ministro do STF, que possivelmente será o ministro do STJ Carlos Alberto Direito.

15:45 Cármen Lúcia: Lewandowski, uma pessoa do STJ (depois lhe nomeio) ligou e disse (...) para me dar a notícia do nomeado (não em nome dele, como é óbvio) (...) mas a resposta foi que lá estão dizendo que os atos sairiam casados (aposent. e nom.) e que haveria uma (...) de posse na sala da Professora e, depois, uma festa formal por causa (...) Ela (a que telefonou) é casada com alguém influente.

Lewandowski: Que loucura então comigo foi jogo de cena, comenta ele (...)

Lewandowski: Cármen, se acontecer o tal jantar, então, será só para tomar um bom vinho pois pelo jeito nós não somos interlocutores de peso.

Cármen Lúcia: De peso físico não, mas de peso funcional (especialmente pela perspectiva) deveriam nos respeitar um pouco mais... O Cupido (sentado ao lado da ministra estava o ministro Eros Grau) acaba de afirmar aqui do lado que não vai aceitar nada (ilegível)

Lewandowski: Desculpe, mas estou na mesma, será que estamos falando da mesma coisa?

Cármen Lúcia: vou repetir: me foi dito pelo Cupido que vai votar pela não recebimento da den. Entendeu?

Lewandowski: Ah, agora sim. Isso só corrobora que houve uma torça. Isso quer dizer que o resultado desse julgamento era realmente importante (cai a conexão)

Cármen Lúcia: e quando eu disse isso a você, há duas semanas, v. disse que o Reitor não poderia estar dando (...)

Lewandowski: Interessante, não foi a impressão que tive na semana passada. Sabia que a coisa era importante, mas não que valia tanto.

Lewandowski: Bem, então é aderir ao ditado: “morto o rei, via o rei”!

Cármen Lúcia: Não sei, Lewandowski, temos ainda três anos de “domínio possível do grupo”, estamos com problema na turma por causa do novo chefe, vai ficar (ilegível) e não apenas para mim e para v. principalmente para mim, mas também acho, para os outros (Carlos e J.). Esse vai dar um salto social agora com esse julgamento e o Carlinhos está em lua-de-mel com os dois aqui do lado.

Cármen Lúcia: não liga para a minha casmurrice, é que estou muito amolada por ter acontecido (ilegível) passados para trás e tratados com pouco caso. Depois passa.

Fonte: Jornal O Globo e Espaço Vital

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