terça-feira, novembro 20, 2007

A regra é não haver dolo em acidentes de trânsito

Circunstâncias meramente objetivas, como a constatação de embriaguez ao volante e excesso de velocidade, sem a adição de prova cabal do dolo eventual, não permitem a remessa do apontado autor das mortes a julgamento pelo Tribunal do Júri.

Com este entendimento, a 2ª Câmara Criminal do TJRS determinou a desclassificação da infração a que responde réu, no Foro de Sapiranga, para outra que não seja da competência do Tribunal do Júri. “A banalização do dolo eventual permite, com a simplificação e as analogias indevidas, o cometimento de injustiças”, afirmou o relator, Desembargador Mario Rocha Lopes Filho. “Não se pode julgar a existência do dolo pelo resultado que causou o agente”, afirmou.

O réu foi denunciado por estar, no entender do Ministério Público, conduzindo uma camionete com velocidade superior a 130km/h, em 6/7/01, por volta das 23h, no km 35 da RS 239, em Araricá, em estado de embriaguez alcoólica, quando colheu um Ford Del Rey – Belina, em um cruzamento, causando a morte de Arjaninha Patzlaff, Alberto Giovani Patzlaff e Estalite Tatiana Patzlaff e lesões corporais em Umberto Néri Patzlaff.

Instruída a ação, o magistrado local julgou procedente a denúncia para remeter o motorista ao Tribunal do Júri. Inconformado, ele recorreu da sentença ao Tribunal.

Banalização do dolo

Para o relator, “a conclusão a que se chega a partir da sentença de pronúncia é que a mera possibilidade de embriaguez, o excesso de velocidade e o fato de o motorista não ter feito prova negativa de ter agido sem assumir o risco de causar o acidente determinou o seu encaminhamento a julgamento pelo Tribunal do Povo”.

Considera o relator que “cumpria ao Ministério Público demonstrar, sem sombra de dúvida, o dolo eventual na conduta do imputado, não se podendo presumi-lo por mera possibilidade de embriaguez ou por excesso de velocidade, circunstâncias objetivas”. Conclui que “estamos diante de uma manifesta banalização do significado do dolo eventual”.

Para o julgador, ex-titular da 1ª Vara do Júri da Capital, “via de regra, para dar uma maior resposta à sociedade, há uma banalização do conceito e significado do dolo eventual, que se tornou objeto de presunções a partir do resultado, sem qualquer investigação a respeito da síntese mental do agente, único elemento capaz de permitir seu reconhecimento”.

Destaca a diferença entre dolo eventual e a culpa consciente – “há um traço em comum que é a previsão do resultado antijurídico”, considera. “Mas enquanto no dolo eventual o agente presta anuência ao advento desse resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo, ao invés de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, o agente repele, embora inconsideradamente, a hipótese de superveniência do resultado, e empreende a ação na esperança ou persuasão de que este não ocorrerá”.

"De um lado, o Estado estimula o consumo relacionado com veículos automotores, sendo este um dos pilares da economia brasileira, junto com o consumo elevado de combustíveis", continua o Desembargador Mário. "De outro, o Estado que arrecada quantias fabulosas, não proporciona a devida contraprestação, fornecendo educação no trânsito e segurança nas estradas", constata o julgador.

Fonte: TJRS - Proc. 70018185090

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